Quem proteger, de quem se protegem?
As reflexões que se seguem, escrevi há cerca de dois anos, mas diante dos avanços governamentais para valorização do nosso trabalho já manifestado pelo Senhor Governador do Estado que afirmou que deixaremos de ter o pior salário do Brasil. E diante também da luta de nossa classe por melhores salários, realinho abaixo tais reflexões.
Para tanto, suscito a todos meu leitores a pensar e olhar como um soldado da BM, imaginando a sua luta diária. Suscito, também a refletirem sobre a luta dos valentes soldados da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que com os seus poucos ganhos mantêm suas famílias.
Escrevo com propriedade de quem conhece as Polícias Militares de Alagoas, Sergipe, Bahia, Minhas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, cujo escopo de estudo são minhas pesquisas para a elaboração de monografia de pós graduação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Nessa linha de pensamento é imperioso uma reflexão sobre a atividade do soldado e sua labuta diária.
Que começa assim: ao entrarem na força policial, aos alunos soldados da BM são ministradas matérias de cunho humanístico, técnicas policiais, saúde física, defesa pessoas e muitas de legislação aplicada à função, dentre outras.
Quando formados à população os aguarda, são agora os recrutas – é assim que são chamados os novos policiais recém formados – saem para as ruas de mãos para trás, farda passada, barba bem feita e com a esperança de um dia ser valorizado em sua nobre missão.
E digo isso por que já fui um soldado. Como referi, hoje sou sargento, mas não deixo de respeitar um bom e honesto soldado. Alias, ser honesto nesse país é coisa de quem tem princípios bem enraizados
Evidentemente que Coronéis, Majores, Capitães, Tenentes e Sargentos, têm também sua importante função na corporação, mas em sua maioria trabalham em nível gestão, fiscalização e administração, mas ser soldado reconheço, não é fácil.
Lidar na linha de frente, atendendo centenas de chamados durante a semana, com os mais variados problemas alheios, consequentemente, leva um soldado às raias da loucura. Sim, e digo isso sem exageros.
Um bom soldado não subestima nenhuma ocorrência policial, ele sabe que o ser humano é sempre imprevisível.
Na semana passada dois policiais atenderam a um chamado de uma briga familiar. No local um cenário de violência e pobreza, o marido agressor tentou atingir um dos policiais com um facão.
Outro dia um marido ensandecido mordeu um soldado na mão e, um terceiro caso, o agressor entrou em luta corporal com o policial. Depois de contido foi verificado que o detido era portador do vírus HIV, felizmente o contato não foi suficiente para contaminar o soldado.
Um soldado da BM sabe que nenhuma ocorrência é igual à outra. Podemos relacionar algumas das inúmeras intervenções policiais, tais com contenção de loucos, viciados e demais doentes violentos, trocas de tiros, prisões de traficantes, de ladrões de carga, carros e bancos, dentre outras tantas.
Fora isso, ainda deve enfrentar as históricas delegacias lotadas. Nas madrugadas é normal verificarmos policiais da BM aguardando a lavratura de flagrantes, muitos já fora de seu horário de trabalho, isso quando não têm seu trabalho desmerecido pelo entendimento da autoridade policial, ou da legislação de que o fato não merece a detenção do criminoso, nesse caso o policial fica preenchendo fichas e o então detido em flagrante (preso pelo soldado da Brigada Militar que “in locu” presenciou o crime) sai a passo.
As viaturas policiais não param nunca, as intervenções em geral se relacionam com o sofrimento, à violência, à criminalidade e à miséria, isso tudo inevitavelmente, entrega ao policial uma pesada carga emocional.
No entanto, a sociedade e a cadeia de comando exigem que o soldado BM atue de forma incorrigível, que verifique fatos e não pessoas. Erros são fatais para um soldado BM. O regimento interno, o regulamento disciplinar e o Código Penal Militar são espadas sempre prontas para a ação.
E em muitos casos, ao tentar resolver os problemas alheios, o soldado BM acaba encontrando um problema para si. Então chegam os Inquéritos Militares as Sindicâncias e os Procedimentos Disciplinares.
Não é fácil ser soldado BM, destes milhares de Brigadianos com uma arma da cintura e uma farda no corpo e o mundo esperando uma ação justa, eficiente e legal.
E nem sempre o soldado da BM está preparado para dar a resposta que a sociedade espera. Em realidade, o soldado da BM vive um dilema, por vezes a sociedade exige que o policial seja violento e atue com truculência, gritos como: “bate nesse vagabundo” ou “bandido bom é bandido morto”. Mas se o criminoso é filho ou parente destes que gritam, o soldado da BM passa a ser o arbitrário, o inimigo, o criminoso e o violento.
Mas as dificuldades do soldado da BM começam em sua vida pregressa, sim, pois os jovens que entram na polícia militar geralmente vêm das camadas mais pobres da sociedade, já nasceram e conviveram com a diferença social. Sempre lutaram muito para receberem o pão de cada dia, agora defendem o Estado e o cidadão e por causa dos baixos salários não conseguem sair da mesma relação de exploração, assim seus Direitos Humanos não são garantidos, direitos como de um salário que a eles garanta moradia, lazer, alimento, enfim uma vida com a chamada dignidade da pessoa humana.
Contrario sendo, exigem os intelectuais e os formadores de opinião, desse país, e com razão, que os policiais respeitem os diretos humanos de todo o cidadão. Porém pergunto: quem protegerá os direitos humanos do policial? Especialmente os direitos de segunda geração?
Apesar do cenário acima, o verdadeiro soldado da BM é honesto, respeita a sociedade, ama sua profissão e busca agir de forma íntegra e correta, sem arbitrariedade ou violência.
A única coisa que ele espera é poder trabalhar em paz, ter o reconhecimento da sociedade, de seu comandante mediato e imediato. Do governo, espera apenas condições adequadas de trabalho e um salário que seja condizente com a árdua tarefa de ser soldado da Brigada Militar.